Atitudes, comportamento e dissonância cognitiva

Caderno de Anotações
8 min readJan 22, 2020

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RESUMO:

Atitudes são compostas por pensamentos, sentimentos e intenções (neste caso, intenção de se comportar de uma certa maneira). Uma atitude não está, necessariamente, sincronizada com o comportamento, embora esteja relacionada. Se a atitude e o comportamento são divergentes, ou se duas ou mais atitudes não são compatíveis, ocorre o que se chama de dissonância cognitiva.

O SIGNIFICADO DA PALAVRA ATITUDE:

Atitude possui significados diversos. De maneira geral, a atitude de uma pessoa frente a uma situação, evento, pessoa ou objeto é uma avaliação ou um julgamento, que pode ser positivo ou negativo, a partir de uma predisposição individual e dadas as experiências de vida. A atitude pode ser um comportamento habitual, repetido em diferentes contextos; pode ser uma inclinação inata ou adquirida; pode ser um apenas um sentimento ou se converter num comportamento de fato. Sociologicamente, a atitude é um sistema de crenças e valores de um indivíduo ou de um grupo, mais ou menos estável no tempo e que determina predisposições de comportamentos.

OS TRÊS COMPONENTES DAS ATITUDES:

As atitudes são compostas por três componentes: cognitivo, afetivo e de comportamento. Os três componentes estão estreitamente relacionados, sendo que cognição e afeto são dois componentes de difícil separação (até porque, se você pensar bem, é muito difícil separar pensamento e sentimento na vida real).

O componente cognitivo é o que chamamos de pensamento no resumo indicado no início deste texto. Este componente é uma avaliação, baseada nas crenças e opiniões dos indivíduos acerca de determinado assunto.

O componente afetivo relaciona-se aos sentimentos e emoções despertados no indivíduo, é a dimensão emocional da atitude, é sua dimensão mais sensível.

Uma opinião pode gerar um sentimento, mas o sentimento também pode ser anterior à crença sobre um determinado assunto. Vamos a um exemplo: em dado momento, percebo que minha remuneração não é adequada ao trabalho que desenvolvo e, a partir desta avaliação, passo a sentir que a empresa não é um bom lugar para trabalhar. Por outro lado, eu posso já ter esta sensação de que a empresa não é um bom lugar para trabalhar e, a partir deste sentimento, julgo que sua política de remuneração também não é boa.

O componente de comportamento da atitude é uma intenção de se comportar de uma forma específica, é uma intenção de praticar alguma ação, desencadeada, quase sempre, pelo que se acredita (componente cognitivo) e pelo que se sente (componente afetivo) a respeito de um fato ou pessoa. Voltando ao exemplo, porque a empresa onde estou é péssima, eu decido procurar outra coisa pra fazer: eu começo a distribuir meu currículo para outras empresas, planejo me casar e ter filhos e viver de renda, começo uma pós graduação em outra área. O pulo do gato é entender que o componente comportamental de uma atitude não é o comportamento em si, mas é claro que este componente vai influenciar no resultado final da atitude que o indivíduo adota. No fim, eu posso planejar tudo isso e não sair do lugar, continuando na mesma empresa, que considero péssima, pra sempre.

No contexto organizacional, o componente comportamental das atitudes dos funcionários é o mais importante, pois tem efeitos no desempenho da empresa. No nosso exemplo, eu estou descontente — eu julgo mal a empresa, eu tenho sentimentos ruins sobre ela e minha intenção é sair. Mas, no fim das contas, eu continuo lá! Minha atitude geral com relação à empresa é desfavorável e, provavelmente, terá consequências negativas. Ou você acha mesmo que eu serei um funcionário motivado, criativo, pró-ativo, com brilho no olho, sentimento de dono, vestindo a camisa, foco nos resultados, etc. etc. etc.? Acho que não, né!

DISSONÂNCIA COGNITIVA

Muitas vezes, há uma contradição entre atitude e ação; e uma forma de contornar isso é mudando, ou a atitude ou o comportamento. Esta contradição entre atitude e comportamento é chamada dissonância cognitiva — uma incompatibilidade entre o que se defende e o que se faz. Ou ainda, entre duas atitudes contraditórias. Este é um problema que todos nós enfrentamos e tentamos combater, pois é uma posição que causa desconforto e ansiedade. Nós buscamos estabilidade e consistência nas nossas atitudes e nos nossos comportamentos e a dissonância cognitiva provoca exatamente o contrário.

Ao se deparar com uma dissonância cognitiva, além de alterar atitudes e/ou comportamentos, outra alternativa para reduzir o desconforto percebido é racionalizar. Vale ouvir uma música do Oswaldo Montenegro, chamada Incompatibilidade — a meu ver, Oswaldo racionaliza a aparente contradição entre o trabalho e a diversão, defendendo que são duas dimensões importantes da vida e que podem gerar uma sinergia positiva, a atividade do lazer durante a noite pode melhorar o rendimento no trabalho durante o dia.

No contexto organizacional, alguns exemplos de dissonância cognitiva que podem ocorrer entre os funcionários de empresas são clássicos. Trabalhar na indústria de armas e de cigarros ou defender um réu confesso de um crime hediondo, por exemplo, pode ser contrário à atitude que muitos têm sobre estas matérias. Se a dissonância entre a atitude dos trabalhadores e a atividade desenvolvida pela empresa for muito grande, a rotatividade pode se tornar um problema sério.

E como as pessoas lidam com a dissonância cognitiva no trabalho? Elas pedem demissão se a discrepância entre atitude pessoal e atividade demandada no trabalho for muito grande. Podem também podem negar causas e consequências, podem pensar em benefícios ocultos (reais ou imaginários), podem racionalizar e buscar justificativas, podem exigir compensações (salários mais elevados, por exemplo). Podem sabotar o negócio também.

Quanto mais uma pessoa considera um assunto importante e quanto mais ela acredita que possui influência e controle sobre o processo, maior tende a ser sua motivação para reduzir a dissonância.

COMPORTAMENTO VERSUS ATITUDE:

As atitudes de uma pessoa nem sempre determinam o comportamento real dela. Um tempo atrás, recebi um vídeo sobre reciclagem e reaproveitamento de materiais. Era um vídeo muito fofo sobre a importância do consumo consciente. A pessoa que me enviou teve uma atitude neste sentido (ela repassou o vídeo para todos os seus contatos), mas seu comportamento não se modificou (seu estilo de consumo continua o mesmo). Algumas vezes, a atitude é anterior ao comportamento. Em outras, o comportamento dá origem a uma atitude. O que se sabe é que as atitudes podem ajudar a prever comportamentos. E este é o intuito de quem tem interesse em conhecer as atitudes das pessoas: prever o comportamento futuro.

Para fins de previsão de comportamento futuro, algumas perguntas podem ser úteis. Qual é o grau de importância de uma atitude específica para o indivíduo? Se há alta valorização ou identificação pessoal com a atitude, o comportamento será mais próximo do que se sua relevância for baixa. Qual é o grau de correspondência entre atitude e comportamento? Atitudes específicas permitem prever comportamentos específicos; atitudes em relação a temas mais gerais apenas permitem identificar possíveis comportamentos gerais. Qual o nível de acessibilidade? Quão forte é a pressão social para se comportar de certa maneira e não de outra? Muitas vezes, a pressão social para determinados comportamentos é tão poderosa, que a conexão com a atitude se perde. É aquele caso em que a pessoa, se dependesse dela e de suas atitudes, jamais se comportaria de uma forma, mas não tem escolha, pois sofre pressão social. Em outras, a pressão social acaba moldando a atitude da pessoa, como no caso dos paradigmas. A pressão social pode ter origem no grupo em que está inserida, na cultura, na religião, nas leis, na família. Por fim, não se deve deixar de lado a influência da experiência pessoal. Prever o comportamento de pessoas que já passaram por situações semelhantes é mais fácil do que prever o comportamento de uma pessoa que nunca lidou com nada parecido.

Com relação à acessibilidade, é importante destacar que atitudes mais frequentes são mais fáceis de serem lembradas e são melhores preditores de um comportamento futuro. Um exemplo: a mídia têm dado destaque às relações de gênero no trabalho, portanto, muito provavelmente, qualquer pessoa terá atitudes (opiniões, sentimentos, inclinações) a respeito do incentivo à igualdade entre homens e mulheres; agora, mais difícil seria captar atitudes e prever comportamentos com relação ao conflito geracional entre jovens e idosos no ambiente de trabalho, pois este não é um tema sobre o qual costumamos pensar (não é comum as pessoas terem opiniões formadas sobre igualdade ou tratamento diferenciado segundo a idade).

ATITUDES NO TRABALHO

No contexto do ambiente de trabalho, três tipos de atitude são fundamentais: a satisfação, o envolvimento e o comprometimento.

Trabalhadores satisfeitos têm uma atitude positiva com seu trabalho e a satisfação é um dos objetivos mais importantes buscados pelos profissionais que lidam com pessoas no contexto organizacional, até porque se relaciona com a motivação e com o desempenho do trabalhador.

Trabalhadores envolvidos possuem identificação com o trabalho que realizam, consideram suas atividades importantes, não apenas do ponto de vista profissional, mas também pessoal. Mais uma vez, outro objetivo importante a ser perseguido, pois grande envolvimento no trabalho significa funcionários que faltam menos e com maior estabilidade.

O comprometimento não é com o trabalho, e sim com a organização — o trabalhador comprometido se identifica com a empresa, seus valores e sua missão e tem a intenção de permanecer nela. O comprometimento organizacional tem diversas formas e, em maior ou menor grau, impacta nas taxas de absenteísmo e de rotatividade e no desempenho geral. O comprometimento afetivo é o vínculo emocional com a empresa. Já o comprometimento instrumental está mais ligado com a necessidade de permanecer na empresa do que com o desejo. Alguém cujo comprometimento é puramente instrumental só está lá porque não encontrou nada melhor (ainda). Por fim, pode haver também o comprometimento normativo, em que o funcionário acredita que, por razões morais ou éticas (não emocionais nem instrumentais), esta é sua obrigação. Numa situação de crise interna, os gestores podem se sentir obrigados a permanecer na empresa até que as coisas comecem a melhorar, por exemplo. Ou então, quando a empresa paga um curso de pós-graduação para o funcionário, ele pode se sentir comprometido a não pedir demissão tão cedo.

Aliado a estes três tipos de atitudes no trabalho — satisfação, envolvimento e comprometimento — tem sido destacado também um novo conceito: o engajamento do funcionário. Quem está em busca de emprego e se depara com os requisitos e perfis desejados para as vagas já se deparou inúmeras vezes com o termo ‘pessoas engajadas’ e variações. Mas o que seria isso? Bem, uma palavra genérica que mistura satisfação e envolvimento com o trabalho e adiciona um elemento: o entusiasmo. E por entusiasmo, entende-se uma miríade de coisas: paixão pelo que faz, conexão com os propósitos da empresa, vontade de aprender, e por aí vai. Não sei se você percebeu, mas se há alguma utilidade intelectual ou prática num termo tão genérico permanece uma questão em aberto.

De modo geral, a correlação entre satisfação, envolvimento e comprometimento é elevada. Por um lado, isso é bom: para fins de pesquisa, basta escolher um tipo de atitude para medir e estudar e derivar os resultados para os outros dois tipos de atitude no trabalho. Ou ainda, para fins acadêmicos, sempre há espaço para criar um “novo conceito” e causar certo alvoroço entre os pares. Por outro lado, há redundância, o que sempre causa ineficiência e desordem. Na prática, se alta satisfação no trabalho está sempre de mãos dadas com alto envolvimento no trabalho e ambos andam juntinhos com o comprometimento organizacional, não faz sentido que organização gaste tempo, energia e recursos para conhecer as atitudes dos funcionários neste nível de detalhe.

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Aprendendo sempre uma coisa nova e esquecendo duas antigas

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