Epidemiologia — Monitoramento de surtos e epidemias
Questões abordadas por esta anotação:
- O que é o monitoramento em saúde?
- Como é o ciclo de monitoramento em saúde pública?
- Definição de casos — específica versus sensível
- Monitoramento e o processo observacional
- Quais são os atributos desejáveis de um sistema de monitoramento?
Monitoramento em Saúde Pública
Monitoramento em saúde implica em coleta sistemática, análise e disseminação de dados críticos sobre as condições de saúde de uma população. O monitoramento de uma epidemia auxilia na compreensão de quantos são os casos de uma doença, quão infecciosa é a doença e onde estão ocorrendo os surtos.
Monitoramento permite analisar tendências a partir de curvas epidemiológicas, por exemplo, prever casos futuros e planejar intervenções de saúde pública bem sucedidas.
Antes de planejar qualquer ação para conter um surto ou epidemia, é necessário ter dados! Eficiência e efetividade em saúde pública dependem fortemente de dados: é preciso saber o que está causando a doença, quem são os mais vulneráveis, quais são as condições que propiciam o surgimento e espalhamento da doença, onde a doença ocorre e onde vivem os doentes, quando ocorre a infecção e desde quando as pessoas estão se infectando, como estão se infectando, como é a contaminação e posterior desenvolvimento da doença, etc.
Ciclo de monitoramento em políticas de saúde:
Uma vez decidida uma intervenção em política pública, o primeiro passo é gerar conhecimento, o que é feito através da coleta de dados. Em seguida, estes dados são analisados, de forma periódica, contínua ou emergencial, de forma que sejam identificadas as características do evento de interesse — as cinco perguntas fundamentais: quem, como, quando, onde, o que, por que? A interpretação é crucial aqui — no final das contas, o que a análise dos dados revela?
Recapitulando os passos do ciclo de monitoramento:
- coleta de dados;
- análise dos dados — quem, onde, quando, por que e como;
- interpretação dos dados — significados, padrões e tendências;
- divulgação dos resultados — compartilhamento das informações visando a ação em saúde.
Portanto, a interpretação dos dados, para ser útil, deve informar:
- Qual o significado da análise?
- Quais são as tendências identificadas?
- Se o problema está melhorando ou piorando?
- Quais são os padrões de contaminação entre as pessoas, os períodos de tempo e os lugares?
- Em qual instância a intervenção deve acontecer?
Os resultados do monitoramento podem e devem ser disseminados. Após a coleta, análise e interpretação dos resultados, o conhecimento necessita ser compartilhado com as pessoas que decidirão as ações a serem tomadas — os formuladores de políticas públicas, por exemplo. Preferencialmente, dados e análises devem ser compartilhados de forma ampla, pública, aberta e irrestrita.
Na prática, existem muitas dificuldade — as pessoas que analisam e interpretam os dados nem sempre são as mesmas com a capacidade de formular ações. Nem sempre os formuladores de políticas públicas têm conhecimento suficiente para planejar intervenções eficazes, muito menos eficientes.
Todo o propósito do monitoramento é transformar as informações em ações. Agências de saúde devem estar envolvidas no processo, por exemplo. Uma vez que ações e intervenções ocorrem, o ciclo reinicia — será necessário coletar novos dados, analisá-los e decidir novas ações e intervenções.
Definição de casos e monitoramento em saúde pública
Quando se utiliza uma definição de casos, não se conhece a realidade completa: tudo o que se sabe é que os pacientes se encaixam na definição estabelecida. A definição de casos pode ser do tipo mais sensível ou mais específica. A escolha de um ou de outro depende da doença e do objetivo do monitoramento.
Definição de caso sensível:
- Definição mais inclusiva
- indicado para situações em que é importante não perder nenhum caso verdadeiro.
- menos provável deixar de contabilizar um caso verdadeiro; porém, mais provável incluir pacientes que não têm a doença entre os casos.
- Este tipo de definição é importante para algumas doenças infecciosas, como o ebola — a não inclusão de um caso verdadeiro pode criar graves problemas de saúde pública.
Definição baseada em sintomas:
- Vantagens: fácil de medir, baixo custo e muito sensível;
- Desvantagens: captura muitas pessoas que não têm a doença
- exemplo: gripe (Influenza) — definição é baseada em febre e tosse, com ou sem dor de garganta
Definição de caso específica:
- definição menos inclusiva
- indicado para situações em que é importante capturar apenas casos verdadeiros
- pode deixar de incluir casos verdadeiros, mas é menos provável incluir casos não verdadeiros no sistema de monitoramento.
- Vantagem: é mais eficiente → maior parte dos pacientes incluídos através de uma definição de caso mais específica, de fato, tem a doença.
Definição baseada em testes de laboratório:
- inclui apenas casos confirmados por laboratório ( pode também incluir sintomas)
- geralmente, apenas pacientes com sintomas são testados — e apenas aqueles com resultado positivo são considerados casos verdadeiros
- Vantagem: maior confiança nas medidas; maior certeza quanto aos casos
- Desvantagens: mais caro, mais demorado (dados defasados), testes podem errar
Monitoramento é um processo observacional
Sistemas de monitoramento têm por objetivo descrever a realidade. Entretanto, a capacidade de detectar uma doença depende do processo de monitoramento (definição de caso, métodos de identificação dos casos, etc.), que não é à prova de falhas. O monitoramento é uma forma de se aproximar da verdade, mas raramente será capaz de indicar o que está de fato acontecendo.
Muitos surtos podem passar despercebidos ou ser ignorados por longo tempo. O processo de monitoramento tem a função de maximizar a capacidade de enxergar a realidade, porém a realidade é muito maior do que qualquer processo.
Muitas vezes, o monitoramento é realizado a partir de informações coletadas nos serviços de atendimento de saúde. Mas nem todos os doentes têm acesso a serviços de saúde. Aqueles que têm acesso e buscam atendimento são observados pelo sistema de monitoramento e, caso se encaixem na definição de caso, passam a ser monitorados. Outras pessoas que buscam atendimento podem não ter a doença e, por isso, não são monitorados. Mas existem aqueles que têm a doença e não procuram ou não têm acesso ao atendimento em saúde: são casos reais, mas que não são observados.
Portanto, apenas pacientes que procuraram atendimento são capturados e observados — esta é uma limitação importante do monitoramento baseado no uso de algum serviço de saúde. Como consequência, o total de casos geralmente é superior aos casos observados.
Uma forma de contornar esta limitação é usar pesquisas sobre sintomas e casos suspeitos.
Atributos do monitoramento
Características do sistema de monitoramento permitem descrever e avaliar seu desempenho. Claro que nenhum sistema de monitoramento é perfeito e, ao avaliá-lo, deve-se sempre considerar se está de acordo com seu objetivo. Observar os atributos permite determinar se o sistema funciona (e não se ele é bom ou ruim).
Características desejáveis em um sistema de monitoramento:
- definição de caso é clara, apropriada aos objetivos do monitoramento e consistente (ou seja, permite comparação ao longo do tempo e com outros sistemas de monitoramento);
- divulgação dos resultados é clara, eficiente e relevante — deve incluir formuladores de políticas e tomadores de decisão;
- análise dos dados deve ser apropriada ao tipo de dados e deve ser útil para a tomada de decisão;
- equipe deve compreender o sistema, receber treinamento e supervisão adequados — de preferência, colaboradores devem defender e valorizar o trabalho
5. receber feedback das partes interessadas
Nove atributos: simplicidade, flexibilidade, qualidade dos dados, aceitabilidade, sensibilidade, valor preditivo, representatividade, atualidade e estabilidade.