Epidemiologia — surtos e epidemias
As perguntas fundamentais que se pretende responder com esta anotação são:
- O que é epidemiologia?
- O que são surtos e epidemias?
- Como identificar um surto?
- Como caracterizar os casos?
- O que são curvas epidemiológicas?
- Como descrever um surto ou uma epidemia?
Epidemiologia
Epidemiologia insere-se na área da Saúde Pública e fornece ferramentas para medir a saúde das populações a nível local, regional ou nacional. Permite também avaliar a eficácia de intervenções de políticas públicas para a promoção da saúde, coletar e analisar dados de saúde pública adequadamente e investigar surtos e epidemias, como é o caso da atual pandemia do novo coronavírus.
Surtos e epidemias
Epidemias e surtos referem-se a um período de tempo em que há excesso de uma doença — ocorrência da doença está acima do esperado. No caso de uma doença rara, poucos casos já configuram um surto — para que se declare a existência de um surto de ebola, poucos casos são necessários. Para doenças mais comuns, a definição de um surto exige centenas ou milhares de casos acima do esperado (ex.: casos de gripe causada por Influenza).
Um surto é o aumento repentino de uma doença ou infecção que ocorre em uma área geográfica limitada. Um surto é o aumento da proporção de pessoas infectadas acima do que seria esperado (ex.: de tempos em tempos, há surtos de meningite em algumas localidades brasileiras).
A epidemia é o aumento repentino no número de pessoas com uma doença ou infecção, assim como o surto, com a diferença de que geralmente abrange uma área geográfica maior e um período de tempo também mais extenso que o suto (ex.: epidemia de HIV/Aids — abrange todos os países, há mais de uma década).
Para doenças infecciosas, duas características merecem atenção: se o agente infeccioso tem capacidade de se espalhar rapidamente e se tem consequências graves.
Uma forma de definir um surto de doença infecciosa é estabelecer uma linha de base com dados históricos e compará-la com os dados presentes. Por exemplo, o CDC norte americano estabelece que a linha de base para mortes por pneumonia e influenza é determinada por um modelo de regressão aplicado aos dados dos cinco anos anteriores. Declara-se a existência de um surto e/ou epidemia quando há um aumento de 1,65 desvios-padrão a partir desta linha de base.
Como identificar um surto de uma doença
- Comparação entre quantidade de óbitos por pneumonia e influenza, por exemplo, em um determinado ano e a média sazonal ajustada de anos anteriores — se número de óbitos ultrapassa limite definido, tem-se um surto:
Na prática, não se usa apenas o número de casos para determinar a existência de um surto ou epidemia → várias medidas são empregadas nesta investigação.
Identificação dos casos
As cinco perguntas fundamentais na identificação dos casos são:
- quem?
- o que?
- quando?
- onde?
- por quê?
Estas perguntas correspondem aos estágios de investigação de um surto/epidemia — quanto mais específico, melhor.
- Quem? Definição e identificação dos casos → quem está envolvido no surto;
- O que? Identificação e caracterização do patógeno;
- Quando? e Onde? Informação sobre tempo e lugar, além das pessoas, em que está ocorrendo o surto;
- Por quê? Identificação dos fatores de risco — entender por que o surto ocorre.
A partir das informações levantadas, ações são tomadas para investigar e intervir.
Casos suspeitos, casos prováveis e casos confirmados
Uma boa definição de casos é o primeiro passo para identificar os casos. Há diferentes níveis de confiança sobre os casos individuais: podem ser suspeitos, prováveis ou confirmados.
- Casos suspeitos: são aqueles em que as pessoas apresentam sintomas clínicos e possuem histórico de exposição à doença — espera-se, desse modo, que tenham a doença, embora não tenham sido testadas ainda e, portanto, são casos não confirmados. São casos que merecem maior investigação.
- Casos prováveis: são aqueles em que as pessoas não se enquadram nos casos suspeitos, mas existem razões para acreditar que, talvez, tenham a doença; desse modo, é necessário acompanhá-las para observar se há o desenvolvimento da doença. Na prática, casos prováveis englobam aquelas pessoas que foram expostas à contaminação, mas que não têm todos os sintomas clínicos esperados (ex.: assintomáticos e casos leves); outra possibilidade são as pessoas que foram expostas e apresentam todos os sintomas, mas que tiveram testes negativos (resultado falso-negativo).
- Casos confirmados: são aqueles com confirmação definitiva da doença — confirmação clínica ou laboratorial.
À medida que o surto se desenvolve, a definição dos casos e o estudo populacional da doença podem se alterar.
Busca por casos
Uma vez que se estabelece a definição de casos, investigadores devem monitorar os casos ativa ou passivamente. A vigilância ativa busca pelos casos na comunidade. A vigilância passiva observa os casos que surgem nos centros de saúde.
Casos devem ser vigiados cuidadosamente, a vigilância em saúde deve determinar onde os casos devem ser buscados: em todo o país ou em alguma localidade específica, por exemplo.
Descrição do surto — quem, onde e quando?
Deve-se descrever o surto em termos de quem são as pessoas envolvidas, onde está localizado e em qual período.
Para a caracterização do surto de uma doença, geralmente, o primeiro elemento chave em uma investigação é a lista de casos individuais e suas características mais relevantes. Nesta lista, são incluídas as características das pessoas, como idade e sexo, e o status em relação à doença — se o caso foi confirmado, se é um caso suspeito ou um caso provável. Informações sobre a exposição são de grande importância — como aconteceu a exposição, qual a data provável de exposição e a data de início dos sintomas — além dos sintomas e resultados de testes laboratoriais, se houver.
A curva epidêmica
Uma curva epidêmica mostra o número de casos por data de início da doença ou alguma outra medida de tempo (ex.: data de início dos sintomas, exposição, etc.).
Pode-se ainda incluir informações sobre casos suspeitos, prováveis e confirmados, alterando as cores das barras segundo o status sobre confirmação.
A forma da curva epidêmica fornece insights sobre a causa do surto.
- Surto da doença a partir de um ponto de origem (point source outbreak): quando a exposição à doença ocorre ao mesmo tempo para todos os indivíduos (ex.: caso de intoxicação alimentar em um restaurante). A curva epidêmica tende a mostrar um aumento acentuado no número de casos no curto prazo, seguido por um período de decréscimo mais alongado.
- Surto da doença a partir de uma origem comum (common source outbreak): tipo de surto com origem em uma exposição contínua à fonte de contaminação — as pessoas ficam continuamente expostas ao risco de contrair a doença (ex.: contaminação pela água). Na curva epidemiológica deste tipo de surto, não se observa um padrão nítido ao longo do tempo — há um risco médio constante ao longo do tempo, com alguma variação aleatória.
- Surto da doença propagado — a curva da epidemia: neste cenário, a doença se espalha ao longo do tempo e do espaço, alastrando a doença entre as pessoas. No período inicial, nota-se pequenas distribuições de casos na forma de sino; ao longo do tempo, há um aumento lento e gradual do número de casos. Em seguida, observa-se uma redução lenta do número de casos. Neste tipo de surto, há ondas de contaminação — começa devagar e com poucos casos, depois há alguma diminuição nos novos casos para logo aumentar o número de casos novamente, chegando a patamares cada vez mais altos. Este processo se repete, gerando uma grande curva epidêmica ao longo do tempo.
Enquanto as curvas epidêmicas caracterizam surtos no espaço temporal, os mapas de uma epidemia são úteis para caracterização de um surto no espaço geográfico, fornecendo informações sobre o espalhamento da doença. Plotar os casos em um mapa pode indicar evidências que levam à origem ou causa de um surto, como foi o caso de John Snow em 1855. Ainda hoje, mapas são utilizados para investigar surtos de doença e desenhar intervenções de saúde pública.
Caracterização da Doença
Para identificar e caracterizar a doença, utilizam-se evidências clínicas (ex.: sintomas) e epidemiológicas (ex.: formato da curva epidemiológica).
Evidências epidemiológicas, além do próprio formato da curva, também incluem investigação sobre quais fatores são compartilhados pelos contaminados e quais são comuns aos indivíduos saudáveis, estudo da distribuição demográfica dos casos, origem da epidemia (origem em um ponto do tempo, exposição contínua, propagada) e período de incubação.
Período de incubação: tempo entre a contaminação e o início dos sintomas. Dá pistas sobre o que causa a doença.
Período de latência: tempo entre a contaminação e a capacidade de contaminar outras pessoas. No caso do HIV, por exemplo, o período de incubação é longo, podendo levar décadas para que uma pessoa contaminada pelo vírus apresente sintomas de Aids. Entretanto, o período de latência é curto — pouco tempo após a contaminação pelo HIV, o indivíduo infectado já é capaz de contaminar outras pessoas.
Evidências laboratoriais tornam-se cada vez mais importante, à medida que um surto evolui — estas evidências incluem estudos sobre a estrutura molecular do patógeno e sua resistência a drogas. Evidências imunológicas informam como como os organismos desenvolvem e enfrentam a doença.
Portanto, são três os tipos de evidências: clínica, epidemiológica e laboratorial — nenhuma delas, sozinha, é definitiva para caracterizar o surto.
Estudo dos fatores de risco em uma população
A ideia básica é identificar fatores de exposição associados com a doença — podem indicar o origem da doença ou atividades que levam à transmissão.
Uma medida de associação é o risco relativo, dado pela razão entre a taxa de ataque dos expostos e a taxa de ataque dos não expostos . Se o risco relativo for muito maior que 1, a exposição é altamente associada com a doença.
A taxa de ataque é a divisão entre o número de pessoas com a doença e o número total de pessoas em determinado grupo. Sendo que o grupo pode ser definido a partir de características individuais (como a idade), de fator de exposição (como hábitos de consumo) ou localização geográfica.
Portanto, a taxa de ataque é a porcentagem de doentes em um grupo. O risco relativo é a comparação entre as taxas de ataques entre grupo (um grupo de expostos e um grupo de não expostos a determinado fator de risco). Claro que esta abordagem apenas funciona se os grupos que tiveram exposição e que não tiveram exposição são identificados, independentemente de ter a doença em questão.
Fatores de risco em uma população aberta
Em uma população aberta, os casos são observados, mas não se conhece a exposição — quantas destas pessoas estiveram expostas à doença ou estiveram sob risco de contraí-la. A contagem dos casos é baseada no status da doença — assim sendo, não é possível calcular o risco relativo, pois a taxa de ataque entre os expostos (e entre os não expostos) é desconhecida. Apenas se sabe quantas pessoas desenvolveram a doença, mas não se sabe quantas pessoas foram expostas ao risco de contrair a doença.
Um estudo de caso-controle permite medir o risco mesmo quando não é possível determinar quantas pessoas esteve em risco. Para tanto, deve-se identificar os casos, com base na definição de casos; identificar controles para a população que esteve sob risco, mas que não ficaram doentes; calcular as chances de exposição para os casos e para os controles; usar a razão de chances para medir a associação entre exposição e doença. A razão de chances é uma medida válida de associação — valores acima de 1 indicam associação entre exposição e doença — mas apenas se aproxima do risco relativo se a doença em questão for rara.
Respostas e Relatórios sobre um Surto de Doença
Primeira providência a ser tomada é remover a exposição, se possível. Estudos devem ser realizados e reportados, para que alguma ação possa ser tomada de modo a conter o surto.
Outra providência é a recomendação de mudanças no comportamento que podem estar associadas ao risco de contrair a doença.
Muitas vezes, a melhor resposta é tratar os casos e/o vacinar aqueles em risco de exposição.
Relatórios sobre o estudo de surtos e epidemias devem incluir alguns elementos chave de investigação:
- introdução e antecedentes;
- investigação e resultados;
- intervenção em políticas públicas;
- discussão.
Nenhuma investigação sobre um surto de doença está completo se não há intervenção e documentação. Intervenções vão desde mudanças recomendadas até políticas públicas e respostas ativas ao problema. A documentação deve estabelecer claramente todos os elementos da investigação do surto e as respostas em saúde.
Leituras sugeridas:
Fonte:
Fighting COVID-19 with Epidemiology : A Johns Hopkins Teach-Out — Coursera