Epidemiologia — surtos e epidemias

Caderno de Anotações
10 min readAug 5, 2020

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As perguntas fundamentais que se pretende responder com esta anotação são:

  • O que é epidemiologia?
  • O que são surtos e epidemias?
  • Como identificar um surto?
  • Como caracterizar os casos?
  • O que são curvas epidemiológicas?
  • Como descrever um surto ou uma epidemia?

Epidemiologia

Epidemiologia insere-se na área da Saúde Pública e fornece ferramentas para medir a saúde das populações a nível local, regional ou nacional. Permite também avaliar a eficácia de intervenções de políticas públicas para a promoção da saúde, coletar e analisar dados de saúde pública adequadamente e investigar surtos e epidemias, como é o caso da atual pandemia do novo coronavírus.

Surtos e epidemias

Epidemias e surtos referem-se a um período de tempo em que há excesso de uma doença — ocorrência da doença está acima do esperado. No caso de uma doença rara, poucos casos já configuram um surto — para que se declare a existência de um surto de ebola, poucos casos são necessários. Para doenças mais comuns, a definição de um surto exige centenas ou milhares de casos acima do esperado (ex.: casos de gripe causada por Influenza).

Um surto é o aumento repentino de uma doença ou infecção que ocorre em uma área geográfica limitada. Um surto é o aumento da proporção de pessoas infectadas acima do que seria esperado (ex.: de tempos em tempos, há surtos de meningite em algumas localidades brasileiras).

A epidemia é o aumento repentino no número de pessoas com uma doença ou infecção, assim como o surto, com a diferença de que geralmente abrange uma área geográfica maior e um período de tempo também mais extenso que o suto (ex.: epidemia de HIV/Aids — abrange todos os países, há mais de uma década).

Para doenças infecciosas, duas características merecem atenção: se o agente infeccioso tem capacidade de se espalhar rapidamente e se tem consequências graves.

Uma forma de definir um surto de doença infecciosa é estabelecer uma linha de base com dados históricos e compará-la com os dados presentes. Por exemplo, o CDC norte americano estabelece que a linha de base para mortes por pneumonia e influenza é determinada por um modelo de regressão aplicado aos dados dos cinco anos anteriores. Declara-se a existência de um surto e/ou epidemia quando há um aumento de 1,65 desvios-padrão a partir desta linha de base.

Como identificar um surto de uma doença

  • Comparação entre quantidade de óbitos por pneumonia e influenza, por exemplo, em um determinado ano e a média sazonal ajustada de anos anteriores — se número de óbitos ultrapassa limite definido, tem-se um surto:
Surtos — alertas e limites

Na prática, não se usa apenas o número de casos para determinar a existência de um surto ou epidemia → várias medidas são empregadas nesta investigação.

Identificação dos casos

As cinco perguntas fundamentais na identificação dos casos são:

  • quem?
  • o que?
  • quando?
  • onde?
  • por quê?

Estas perguntas correspondem aos estágios de investigação de um surto/epidemia — quanto mais específico, melhor.

  • Quem? Definição e identificação dos casos → quem está envolvido no surto;
  • O que? Identificação e caracterização do patógeno;
  • Quando? e Onde? Informação sobre tempo e lugar, além das pessoas, em que está ocorrendo o surto;
  • Por quê? Identificação dos fatores de risco — entender por que o surto ocorre.

A partir das informações levantadas, ações são tomadas para investigar e intervir.

Casos suspeitos, casos prováveis e casos confirmados

Uma boa definição de casos é o primeiro passo para identificar os casos. Há diferentes níveis de confiança sobre os casos individuais: podem ser suspeitos, prováveis ou confirmados.

  • Casos suspeitos: são aqueles em que as pessoas apresentam sintomas clínicos e possuem histórico de exposição à doença — espera-se, desse modo, que tenham a doença, embora não tenham sido testadas ainda e, portanto, são casos não confirmados. São casos que merecem maior investigação.
  • Casos prováveis: são aqueles em que as pessoas não se enquadram nos casos suspeitos, mas existem razões para acreditar que, talvez, tenham a doença; desse modo, é necessário acompanhá-las para observar se há o desenvolvimento da doença. Na prática, casos prováveis englobam aquelas pessoas que foram expostas à contaminação, mas que não têm todos os sintomas clínicos esperados (ex.: assintomáticos e casos leves); outra possibilidade são as pessoas que foram expostas e apresentam todos os sintomas, mas que tiveram testes negativos (resultado falso-negativo).
  • Casos confirmados: são aqueles com confirmação definitiva da doença — confirmação clínica ou laboratorial.

À medida que o surto se desenvolve, a definição dos casos e o estudo populacional da doença podem se alterar.

Busca por casos

Uma vez que se estabelece a definição de casos, investigadores devem monitorar os casos ativa ou passivamente. A vigilância ativa busca pelos casos na comunidade. A vigilância passiva observa os casos que surgem nos centros de saúde.

Casos devem ser vigiados cuidadosamente, a vigilância em saúde deve determinar onde os casos devem ser buscados: em todo o país ou em alguma localidade específica, por exemplo.

Descrição do surto — quem, onde e quando?

Deve-se descrever o surto em termos de quem são as pessoas envolvidas, onde está localizado e em qual período.

Para a caracterização do surto de uma doença, geralmente, o primeiro elemento chave em uma investigação é a lista de casos individuais e suas características mais relevantes. Nesta lista, são incluídas as características das pessoas, como idade e sexo, e o status em relação à doença — se o caso foi confirmado, se é um caso suspeito ou um caso provável. Informações sobre a exposição são de grande importância — como aconteceu a exposição, qual a data provável de exposição e a data de início dos sintomas — além dos sintomas e resultados de testes laboratoriais, se houver.

A curva epidêmica

Uma curva epidêmica mostra o número de casos por data de início da doença ou alguma outra medida de tempo (ex.: data de início dos sintomas, exposição, etc.).

Exemplo de curva epidêmica

Pode-se ainda incluir informações sobre casos suspeitos, prováveis e confirmados, alterando as cores das barras segundo o status sobre confirmação.

A forma da curva epidêmica fornece insights sobre a causa do surto.

  • Surto da doença a partir de um ponto de origem (point source outbreak): quando a exposição à doença ocorre ao mesmo tempo para todos os indivíduos (ex.: caso de intoxicação alimentar em um restaurante). A curva epidêmica tende a mostrar um aumento acentuado no número de casos no curto prazo, seguido por um período de decréscimo mais alongado.
Exemplo de curva epidemiológica: “Point Source Outbreak”
  • Surto da doença a partir de uma origem comum (common source outbreak): tipo de surto com origem em uma exposição contínua à fonte de contaminação — as pessoas ficam continuamente expostas ao risco de contrair a doença (ex.: contaminação pela água). Na curva epidemiológica deste tipo de surto, não se observa um padrão nítido ao longo do tempo — há um risco médio constante ao longo do tempo, com alguma variação aleatória.
Exemplo de curva epidemiológica: “Common Source Outbreak”
  • Surto da doença propagado — a curva da epidemia: neste cenário, a doença se espalha ao longo do tempo e do espaço, alastrando a doença entre as pessoas. No período inicial, nota-se pequenas distribuições de casos na forma de sino; ao longo do tempo, há um aumento lento e gradual do número de casos. Em seguida, observa-se uma redução lenta do número de casos. Neste tipo de surto, há ondas de contaminação — começa devagar e com poucos casos, depois há alguma diminuição nos novos casos para logo aumentar o número de casos novamente, chegando a patamares cada vez mais altos. Este processo se repete, gerando uma grande curva epidêmica ao longo do tempo.
Exemplo de curva epidemiológica: “Propagated Outbreak”

Enquanto as curvas epidêmicas caracterizam surtos no espaço temporal, os mapas de uma epidemia são úteis para caracterização de um surto no espaço geográfico, fornecendo informações sobre o espalhamento da doença. Plotar os casos em um mapa pode indicar evidências que levam à origem ou causa de um surto, como foi o caso de John Snow em 1855. Ainda hoje, mapas são utilizados para investigar surtos de doença e desenhar intervenções de saúde pública.

Caracterização da Doença

Para identificar e caracterizar a doença, utilizam-se evidências clínicas (ex.: sintomas) e epidemiológicas (ex.: formato da curva epidemiológica).

Evidências epidemiológicas, além do próprio formato da curva, também incluem investigação sobre quais fatores são compartilhados pelos contaminados e quais são comuns aos indivíduos saudáveis, estudo da distribuição demográfica dos casos, origem da epidemia (origem em um ponto do tempo, exposição contínua, propagada) e período de incubação.

Período de incubação: tempo entre a contaminação e o início dos sintomas. Dá pistas sobre o que causa a doença.

Período de latência: tempo entre a contaminação e a capacidade de contaminar outras pessoas. No caso do HIV, por exemplo, o período de incubação é longo, podendo levar décadas para que uma pessoa contaminada pelo vírus apresente sintomas de Aids. Entretanto, o período de latência é curto — pouco tempo após a contaminação pelo HIV, o indivíduo infectado já é capaz de contaminar outras pessoas.

Evidências laboratoriais tornam-se cada vez mais importante, à medida que um surto evolui — estas evidências incluem estudos sobre a estrutura molecular do patógeno e sua resistência a drogas. Evidências imunológicas informam como como os organismos desenvolvem e enfrentam a doença.

Portanto, são três os tipos de evidências: clínica, epidemiológica e laboratorial — nenhuma delas, sozinha, é definitiva para caracterizar o surto.

Estudo dos fatores de risco em uma população

A ideia básica é identificar fatores de exposição associados com a doença — podem indicar o origem da doença ou atividades que levam à transmissão.

Uma medida de associação é o risco relativo, dado pela razão entre a taxa de ataque dos expostos e a taxa de ataque dos não expostos . Se o risco relativo for muito maior que 1, a exposição é altamente associada com a doença.

A taxa de ataque é a divisão entre o número de pessoas com a doença e o número total de pessoas em determinado grupo. Sendo que o grupo pode ser definido a partir de características individuais (como a idade), de fator de exposição (como hábitos de consumo) ou localização geográfica.

Portanto, a taxa de ataque é a porcentagem de doentes em um grupo. O risco relativo é a comparação entre as taxas de ataques entre grupo (um grupo de expostos e um grupo de não expostos a determinado fator de risco). Claro que esta abordagem apenas funciona se os grupos que tiveram exposição e que não tiveram exposição são identificados, independentemente de ter a doença em questão.

Fatores de risco em uma população aberta

Em uma população aberta, os casos são observados, mas não se conhece a exposição — quantas destas pessoas estiveram expostas à doença ou estiveram sob risco de contraí-la. A contagem dos casos é baseada no status da doença — assim sendo, não é possível calcular o risco relativo, pois a taxa de ataque entre os expostos (e entre os não expostos) é desconhecida. Apenas se sabe quantas pessoas desenvolveram a doença, mas não se sabe quantas pessoas foram expostas ao risco de contrair a doença.

Um estudo de caso-controle permite medir o risco mesmo quando não é possível determinar quantas pessoas esteve em risco. Para tanto, deve-se identificar os casos, com base na definição de casos; identificar controles para a população que esteve sob risco, mas que não ficaram doentes; calcular as chances de exposição para os casos e para os controles; usar a razão de chances para medir a associação entre exposição e doença. A razão de chances é uma medida válida de associação — valores acima de 1 indicam associação entre exposição e doença — mas apenas se aproxima do risco relativo se a doença em questão for rara.

Respostas e Relatórios sobre um Surto de Doença

Primeira providência a ser tomada é remover a exposição, se possível. Estudos devem ser realizados e reportados, para que alguma ação possa ser tomada de modo a conter o surto.

Outra providência é a recomendação de mudanças no comportamento que podem estar associadas ao risco de contrair a doença.

Muitas vezes, a melhor resposta é tratar os casos e/o vacinar aqueles em risco de exposição.

Relatórios sobre o estudo de surtos e epidemias devem incluir alguns elementos chave de investigação:

  • introdução e antecedentes;
  • investigação e resultados;
  • intervenção em políticas públicas;
  • discussão.

Nenhuma investigação sobre um surto de doença está completo se não há intervenção e documentação. Intervenções vão desde mudanças recomendadas até políticas públicas e respostas ativas ao problema. A documentação deve estabelecer claramente todos os elementos da investigação do surto e as respostas em saúde.

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