Políticas Públicas — O Ciclo das Políticas Públicas
INTRODUÇÃO
O termo “política” possui vários significados:
- Instituições políticas: estrutura institucional do sistema político-administrativo e do sistema jurídico (em inglês, polity). Relacionado com a divisão dos poderes.
- Processos políticos: envolve negociação e convencimento entre as partes interessadas. É o exercício do poder e da influência sobre outras pessoas; envolve disputas pelo poder (em inglês, politics). Conceito tradicional de política.
- Conteúdos da política: são as decisões e ações concretas (em inglês, policy). Relaciona-se com as ações do governo (ex.: políticas educacionais). Assumem a forma de leis, normas, iniciativas, programas, entre outros. Este conceito é o próprio conceito de políticas públicas.
Cada dimensão da política influencia e é influenciada pelas demais. Ex.: aspectos institucionais influenciam processos políticos e também as ações governamentais.
A Política Pública como o conteúdo da política — decisões e ações públicas:
- Políticas públicas têm conteúdo tanto concreto quanto simbólico;
- Origem nas decisões políticas;
- Fluxo de decisões que visa manter o equilíbrio social ou modificar a realidade;
- Envolve decisão, mas não só: política pública envolve também ações. Não basta a decisão política, é necessário implementar a decisão na forma de uma política pública.
- Portanto, as políticas públicas são uma resposta do Estado às necessidades sociais, na forma de ações e programas, que têm por objetivo o bem-comum e a redução das desigualdades sociais.
Objetivo da política pública é resolver um problema considerado público e relevante:
- Problema público: quando a situação atual é diferente da situação desejada. Ex.: analfabetismo é um problema público e a política pública visa eliminar este problema.
- Público: termo não se refere apenas à ação do Estado, mas sim à coisa pública: aquilo que é de todos, da sociedade como um todo.
Conceito de política pública é um debate em aberto:
- O Estado possui monopólio das políticas públicas — ou seja, apenas são consideradas como políticas públicas as ações governamentais;
- O Estado não possui monopólio das políticas públicas — isto é, a participação do Estado não é necessária para que uma ação seja uma política pública, desde que a ação seja orientada ao bem comum. Segundo esta perspectiva, política pública seria qualquer ação com o objetivo de resolver um problema público — a ação pode ser ou não governamental.
Componentes das políticas públicas:
- Institucional — política elaborada por autoridade formal legalmente constituída, coletivamente vinculante;
- Decisório — política é uma sequência de decisões sobre fins e meios (curto ou longo prazo) para resolver problemas ou necessidades em uma situação específica;
- Comportamental — política é um curso de ação e não apenas uma decisão única, implica ação (fazer) ou inação (não fazer nada também é uma política);
- Causal — resultados das ações com efeitos sobre o sistema político e social.
TIPOLOGIAS DE POLÍTICAS PÚBLICAS
As políticas públicas têm diversas classificações.
Segundo o impacto na sociedade (Lowi):
- Constitutivas — políticas que definem as regras das demais políticas. Definem as “regras do jogo”. Estão acima das demais políticas e condicionam o equilíbrio de poderes, definem jurisdições, regras e competências da disputa política. Ex.: regras eleitorais, divisão dos poderes, definição das funções federais, estaduais e municipais, etc.
- Regulatórias — políticas que regulam o comportamento e atuação das pessoas, setores e organizações. São políticas mais visíveis ao público, pois regulam uma área ou setor da sociedade — envolve proibições, autorizações, decretos, normas, regulamentos, etc. Possuem uma dinâmica pluralista: envolvem vários atores e interesses. Teoricamente, os benefícios destas políticas são difusos; mas podem acarretar grande impacto para grupos específicos (ex.: regulação de perfuração de poços beneficia a todos, pois protege os aquíferos, mas impacta pessoas específicas). Políticas regulatórias são as que mais demandam a participação dos políticos e burocratas.
- Distributivas — políticas com benefícios para um número restrito de pessoas ou grupos, com custos para toda a sociedade (custos são difusos). Geralmente, caracteriza-se pelo clientelismo (ex.: um deputado que faz uma obra em uma cidade em troca de votos — o benefício é focado em um grupo ou população específica, mas o financiamento da obra é difuso. Não costuma gerar conflitos, pois aqueles que não são beneficiados não têm consciência de que estão financiando a obra. Políticas distributivas geram impactos mais particulares do que universais, ao privilegiarem certos grupos sociais ou regiões, em detrimento do todo. Políticas distributivas têm objetivos setoriais ou atendem a demandas pontuais de grupos sociais específicos.
- Redistributivas — políticas com benefícios para pessoas ou grupos específicos, com custos para pessoas específicas. São as políticas do tipo Robin Wood, em que se tira de quem tem mais para dar a quem tem menos (um ganha, outro perde). Os objetivos mais comuns são distribuir renda ou dar acesso a serviços públicos. Políticas redistributivas tendem a gerar mais conflito porque as políticas são custeadas por um grupo restrito e beneficiam um grupo também restrito. Envolvem a percepção de direitos sociais. Ex.1: cotas raciais nas universidades beneficiam um grupo específico, reduzindo o acesso dos demais; ex.2: desconto na conta de luz dos domicílios mais pobres custeados pelo aumento da tarifa para os domicílios mais ricos.
Segundo a natureza ou grau de intervenção (Teixeira):
- Estrutural — políticas que interferem nas relações estruturais, tais como renda, emprego, propriedade;
- Conjuntural (ou emergencial) — políticas que trabalham sobre efeitos de eventos, com o objetivo de mitigar um problema temporário ou imediato (ex.: políticas após rompimento de barragens)
Segundo abrangência dos benefícios:
- Universais — políticas impactam todos os cidadãos (ex.: SUS);
- Segmentadas — políticas impactam um segmento da população, um público específico, caracterizado por idade, gênero, condição, etc. (ex.: Estatuto do Idoso);
- Fragmentadas — políticas destinadas a grupos sociais dentro de cada segmento (ex.: LOAS).
O CICLO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
O ciclo das políticas públicas é um processo que pode ser separado em etapas ou fases sequenciais.
Para que seja possível a execução de um projeto, programas e ações de uma política pública devem estar estruturados de maneira funcional e sequencial.
No mundo real, as fases podem estar sobrepostas ou não ocorrer na mesma sequência definida pela teoria.
1. Formação da agenda
Esta etapa é caracterizada pelo planejamento.
Nesta etapa inicial, ocorre a identificação de um tema que está sendo discutido na sociedade e que é prioritário para o poder público. Portanto, para formação da agenda, deve-se identificar o problema público. Além disso, deve haver a percepção de que o problema é importante e merece atenção.
Em seguida, deve-se definir e delimitar o problema para então avaliar sua possibilidade de resolução. O problema deve ser identificado como passível de resolução, caso contrário, “o que não tem remédio, remediado está”.
Na construção da agenda, a análise de dados é utilizada para definir a condição da situação, a emergência e os recursos disponíveis. Nem todos os problemas necessitam ser imediatamente solucionados e nem todos os problemas serão solucionados.
A viabilidade de um projeto de política pública depende, entre outros fatores, de:
- Necessidade política — problema deve ser debatido e incluído na agenda;
- Dados que comprovam a necessidade da política;
- Disponibilidade de recursos;
- Emergência do tema — problemas mais urgentes são resolvidos de maneira mais rápida. Ex.: rompimento de barragens provoca respostas muito mais rápida do poder público do que outros temas importantes relacionados ao meio ambiente.
Tipos de Agenda:
- agenda política: conjunto de temas que os políticos consideram importantes e merecedores de intervenção;
- agenda formal: agenda institucional de problemas que o poder público já decidiu enfrentar.
- não governamental: temas são reconhecidos pela sociedade como um problema, mas não recebem muita atenção do Estado. Nem todos os problemas sociais relevantes fazem parte da agenda de políticas públicas . Isso pode acontecer, por exemplo, porque os políticos não têm interesse na resolução do problema (ex.: corrupção, impunidade) ou porque os custos de solução do problema são altos demais (ex.: saneamento básico).
- governamental: na agenda governamental, o tema está sendo analisado pelo governo de modo formal e institucionalizado. O tema pode ser então incluído na agenda decisória ou pode ser deixado de lado.
- decisória: temas já estão na agenda política e são debatidos e estão próximos da decisão (ex.: reforma da Previdência). Para que o problema seja enfrentado de modo eficaz, ele deve estar na agenda de decisão e deve se tornar uma política pública.
Modelo dos fluxos múltiplos de Kingdon:
Por que alguns temas entram na agenda governamental e outros não? Basicamente, para entrar na agenda governamental, o problema deve existir, as pessoas devem acreditar que o problema existe e que é importante, deve haver uma solução disponível e deve haver interesse político na resolução do problema.
- Fluxo dos problemas — percepção de que o problema precisa ser solucionado. Elementos que podem ajudar uma situação a sair do “estado das coisas” para a agenda governamental: indicadores mostram rápida piora no problema ou tendência a um ponto crítico (ex.: reforma previdenciária); crises e eventos impelem a população a defender uma causa ou discutir um problema (ex.: rompimento de barragens); feedback de outra ação governamental, que levanta novo tema a ser discutido(ex.: políticas públicas que não estão funcionando, como as políticas de segurança). Nas campanhas eleitorais, o fluxo dos problemas aparece na sua forma mais visível, pois os candidatos passam a considerar os temas mais demandados pela população para desenvolver suas campanhas.
- Fluxo das soluções — soluções não são desenvolvidas pelos políticos; as propostas de solução são desenvolvidas por grupos de especialistas na área. As propostas precisam ser validadas: para tanto, especialistas debatem as propostas dentro de suas comunidades, buscando convencer os demais membros e atingir o consenso. Para que uma proposta seja reconhecida como válida, são realizados estudos de viabilidade técnica e viabilidade econômica.
- Fluxo da política — envolve barganha e negociação entre os políticos. Influenciam o fluxo político: o clima político nacional, as forças políticas ou grupos de pressão, mudanças dentro do governo.
2. Formulação da política
Nesta etapa do ciclo da política pública, são formuladas possíveis soluções para o problema encontrado na etapa anterior. Há um detalhamento maior das alternativas definidas na formação da agenda. A formulação da política é a etapa de apresentação de soluções e alternativas, em que os atores mostram suas preferências e interesses. Os atores criam suas próprias propostas e planos e as defendem individualmente.
Organizam-se as ideias, alocam-se os recursos e recorre-se à opinião de especialistas para estabelecer objetivos, estratégias e resultados que se pretende alcançar com a política pública.
Neste momento, definem-se:
- propostas de programas e linhas de ação;
- definição dos objetivos;
- definição do marco jurídico, administrativo e financeiro;
- quais são os resultados esperados.
Os resultados esperados devem ser elaborados pelos atores envolvidos na política — políticos, analistas e demais setores. Durante a formulação da política, há três tipos de interação entre os atores envolvidos:
- luta: situação mais conflituosa em que um ganha e outro perde (jogo de “soma zero”), não há diálogo;
- jogo: situação em que o objetivo das partes é vencer, mas mantendo o outro lado “vivo”; há espaço para diálogo e possibilidade de colaboração futura;
- debate: situação menos conflituosa; o objetivo é convencer a outra parte e não derrotá-la.
Durante a etapa de formulação da política também é definido:
- a decisão sobre o tema;
- a alternativa mais conveniente para resolução do problema;
3. Processo de tomada de decisão
Com as todas as alternativas avaliadas, na terceira fase do ciclo da política, define-se qual será o curso de ação adotado. Assim sendo, são definidos os recursos e o prazo temporal da ação da política.
4. Implementação da política
É a hora de colocar em prática planos e decisões da política pública. É uma das fases mais relevantes do ciclo. É o momento em que o planejamento e a tomada de decisão são transformados em ação.
Este é o momento crítico do ciclo. Muitas vezes, a implementação da política não é bem-sucedida. Mesmo quando a formulação da política é excelente e a tomada de decisão é impecável, a implementação pode não ser correta.
Esta etapa é a “prova de fogo”: o ponto de encontro entre a teoria e a realidade.
Modelos de implementação de políticas públicas (Sabatier):
- top-down (de cima pra baixo): modelo tradicional, bastante comum no Brasil. A decisão política é tomada no topo, por representantes que fornecem as diretrizes que deverão ser executadas pelos atores da base. A decisão política, neste caso, está distante da implementação. A implementação da política é vista apenas como a alocação dos recursos necessários para execução da política; portanto, um processo mais simples e menos importante. Um problema derivado deste modelo é que a distância entre o topo e a base pode ser muito grande e o grau de implementação, muito pequeno. Além disso, o modelo parte da noção de que o processo de implementação pode ser controlado de cima para baixo e que os políticos estão em condições de coordenar a implementação, o que nem sempre é o caso.
- bottom-up (de baixo para cima): é uma resposta crítica à visão simplista do modelo top-down. Enfatiza a dificuldade de trazer os planos desenvolvidos no topo para a realidade, pois os agentes políticos podem não ter consciência das dificuldades, limitações e especificidades de implementação da política. Neste modelo, os agentes que irão implementar a política têm poder suficiente para repensar a política, escolhem os meios e recursos para sua implementação e fornecem informações que subsidiam o desenho da política. O processo de implementação, portanto, é influenciado pelos agentes que irão executá-lo — há “formulação na implementação”.
5. Avaliação
É um elemento crucial para as políticas públicas. A avaliação deve ser realizada em todos os ciclos, contribuindo para o sucesso da ação. Também é uma fonte de aprendizado para a produção de melhores resultados.
Avaliação da política pública envolve:
- controle e supervisão da política;
- correção de falhas para maior eficácia;
- análise do desempenho;
- análise dos resultados do projeto.
- avaliação da necessidade de reiniciar o ciclo das políticas públicas, de fazer alterações ou deixar tudo como está.
Bônus: Extinção da política pública
Na etapa da extinção da política pública, faz-se uma reflexão sobre os limites e o esgotamento desta e sobre a necessidade de substituição por novas políticas públicas.
Uma política pública pode ser extinta porque o problema que a originou foi resolvido ou porque a política é percebida como ineficaz. Ex.: política de combate às drogas é percebida como ineficaz — fácil acesso às drogas, grande número de prisões e nenhuma melhoria na situação — muitos países têm abandonado a abordagem de combate.
Modelos de Análise em Políticas Públicas:
- Incrementalismo: segundo este modelo, não é possível tomar uma decisão que altere significativamente o status quo. O ideal seria mudar uma situação aos poucos. A mudança é gradual e não deveria ter alterações drásticas. Noção de que as decisões no presente são condicionadas pelas decisões do passado, há uma inércia política. Muito investimento em uma política e por muito tempo dificulta a extinção da política, pois existem servidores, sindicatos, fornecedores, etc. que dependem da política. Grupos favorecidos pela política em questão oferem resistência à reversão da política.
- Racional Compreensivo: pressupõe que agentes têm acesso à informação completa e são capazes de tomar decisões considerando todas as alternativas possíveis e com base na racionalidade. O Estado teria condições de prever todos os desdobramentos da política e de analisar todas as variáveis importantes. Problema vê o governo como um ente único, mas o governo é, na verdade, o somatório de forças e grupos de coesão, que possuem interesses próprios.
Nem o modelo incremental nem o modelo racional compreensivo são capazes, sozinhas, de explicar a realidade na construção das políticas públicas.
- Modelo Mixed-Scanning (Sondagem Mista): usa elementos dos modelos incrementalista e racional compreensivo, reduzindo suas limitações particulares — reduz os aspectos irrealistas do racionalismo (mudanças bruscas não são desejáveis) e traz contexto e reduz a tendência conservadora do incrementalismo. Decisões mais abrangentes e estratégicas e com prazos mais longos devem ser baseadas no racionalismo, enquanto decisões mais cotidianas e sobre temas ordinários devem se basear no incrementalismo.
- Modelo Lata de Lixo: compreensão de que a formulação de alternativas parte de diversos atores, com pouca coerência entre si, que desenvolvem as propostas, às vezes, sem ter foco em um problema específico. Estes diversos atores vão desenvolvendo soluções; as soluções ficam à espera de serem escolhidas, guardadas em uma “lata de lixo”. Assim, ao surgir um novo problema público, soluções podem ser encontradas nesta lata de lixo. Seriam os projetos engavetados e desengavetados. Este modelo mostra que o processo de formulação é anárquico e que os atores nem sempre têm propostas consistentes — as soluções vão se acumulando, , há um depósito de soluções passíveis de escolha, as soluções procuram o problema a ser resolvido e não o contrário.
Teoria do Equilíbrio Pontuado
Busca explicar porque, apesar de as políticas serem geralmente estáveis, às vezes ocorrem grandes rupturas, como no caso de crises.
Dois elementos importantes no processo político:
- definição dos temas (em inglês, issues) — discurso político define diversas maneiras de definir os temas
- definição da agenda — temas entram e saem da agenda: por reforço ou questionamento das políticas públicas que já existem.